segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Fim do “dividendo da paz”

 


A alta dos gastos militares nos últimos anos interrompeu uma trajetória de queda de despesas do setor que vinha desde o final da Guerra Fria. Nesse período, a possibilidade de destinar verbas para outros setores que não o de defesa, especialmente gastos sociais, foi descrita por alguns líderes como - dividendo da paz -.

Em 2023, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, afirmou que a guerra entre Ucrânia e Rússia levava a mensagem de que os gastos militares deveriam ser elevados, e que os dividendos desse período haviam chegado ao fim.

Hubertus Bardt (chefe de pesquisa do Instituto Econômico Alemão) disse que: “As despesas com defesa estão aumentando a nível internacional, após 30 anos de baixas.(...)”.

Para ele, o conflito entre despesas sociais e possíveis investimentos em temas mais recentes, como digitalização e descarbonização, será ainda mais problemático se a defesa necessitar de orçamentos adicionais.

Liang lembra que a história mostrou que os países estão “mais do que dispostos a contrair empréstimos, aumentar os impostos ou cortar outras áreas de despesas para aumentar os gastos militares”.

Brasil no mesmo caminho?

No Brasil, alguns políticos e militares estão se articulando para ampliar os gastos militares. Em outubro, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) protocolou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para que o país destine à defesa 2% do PIB.

Militares também citam a escalada de tensões entre Venezuela e Guiana, que fazem fronteira com o Brasil, como um motivo para aumentar as verbas para a área e renovar os armamentos que o país dispõe.

Marcos Barbieri, professor de economia da Unicamp e especialista em indústria de defesa, afirma que a expectativa é que os conflitos atuais tragam maior atenção da sociedade para o tema, e que isso se reflita no Congresso. Ele avalia que seria necessário aumentar as verbas do setor no país.

Segundo cálculos do pesquisador, o Brasil teve, de 2000 a 2018, uma média de gastos com defesa de 1,4% do PIB. No período de 2018 a 2022, no governo de Jair Bolsonaro, a parcela foi reduzida para 1,2%. O gasto “já era baixo, e caiu ainda mais”, diz.

“A média global é de 2,2%. Os gastos do Brasil são muito aquém das necessidades que um país continental com os níveis de riqueza e necessidade de operar por conta própria precisa”, afirma Barbieri, que destaca que o Brasil não participa de grandes alianças que garantam operações conjuntas.

Contudo, ele pondera que uma mera alta dos gastos, sem definir melhor o destino da verba, pode não ser produtiva. “A PEC atual tem apenas previsão para aumentar para 2% do PIB a parcela do Orçamento. Mas, sem solucionar a questão estrutural, não resolve o cerne da questão”, afirma.

No caso da Otan, 20% dos gastos com defesa vão obrigatoriamente para investimentos, o que “já seria razoável”, aponta Barbieri, que lembra que a média recente é de apenas 8,8% no Brasil. Além disso, o país gasta cerca de 80% do seu orçamento de defesa com pessoal, bem acima da média de 50% de países ocidentais.